Seu Belarmino fora professor de Português. Agora era livreiro. A tarefa de ensinar a língua pátria o deixara pessimista; mais encasmurrado ainda ficou como vendedor de livros.– Serviço besta! – resmungava sempre entre dentes. Como raramente era perturbado por algum freguês, viva lendo. Lia tudo: romance, poesia, ficção científica, ciência, curiosidade, anedotas, passatempo, tudo.A mulher de Seu Belarmino é que não aguentava mais a miséria doméstica. Fazia serviços de costura para a freguesia, vendia mercadorias de casa em casa, desdobrava-se para dar o comer e o vestir aos filhos– Vendeu alguma coisa hoje, Belarmino:Belarmino tirava dos bolsos algumas moedas e jogava sobre a mesa:– Um garoto comprou dois livro didáticos. Foi só. Passei o dia todo...– Já sei – emendava a mulher. – Passou o dia todo coçando o saco.– Não senhora. Você sabe que estou escrevendo uma obra que nos vai deixar famosos... Ricos, não sei; mas famosos, com certeza.– Que obra é essa, seu bobo sonhador?– O título será: O futuro dos livros.A mulher explodiu em gargalhadas:– O futuro dos livros? Essa é boa! O futuro dos livros está esgotado. A tevê acabou com eles. Você percebe? Acabou com eles. Estamos na era da eletrônica, meu velho.– Na era da eletrônica e da burrice – resmungou Belarmino.– Que é que você disse?– Nada, nada...
(Suzi Gonçalves, Laboratório de Redação)
ANDRÉ, Hildebrando A. de. Curso de redação. 5ª ed. São Paulo. Editora Moderna, 1998.